Clária põe-se a imaginar a nova residência, projeto de Rasek.
Ficaria tão linda, construída na Rampa do Lago! Rasek aproveitaria
os degraus naturais da pedra, poria flores rasteiras em volta,
obteria todo o material na floresta! Essa "casa de milionário",
como a apelidara Deusa Brecha, sairia té muito barata, nesta
Selvespessa almácega do mundo, longe da alma cega dos enks!

Como seria bom deitar na rede da varanda, a atirar sementes de
frutas doces sobre o plácido lume do lago, a ver surgirem-lhe da
sombra profunda preguiçosas enciclias lumiosas e a escutar
amenas histórias locais, feito a Lenda do Soládico, tão bem contada
por dona Mãelíqua no serão de ontem!
Clária memora a nativa narrativa:

"- Assim, virado de lado, um pequenino brilhíquo plátio saltou
pra fora da líqua do Ribeirão Liquazul; bem ali, onde existe
hoje o engenho e, naquele ritmo, ficava a mata virgem."

"Era manhã de um cromat límpido; e as nuvens formavam um
lençol bem alto no céu, cheio de flocos entrecortados no azul."

"Rá ia nascendo, projetava o seu géon soládico nas nuvens,
e elas refletiam-se na superfície calma do líquido."

"Meio disco no ar, meio disco na líqua, Rá era um só írio
redondo a brilhar no horizonte, entre dois céus soládicos."

"Írios arregalados, o pequeno brilhíquo plátio deslumbra-se em
meio ao salto, ao iriar toda aquela beleza soládica,
lá, no céu de cima, e cá, no céu abaixo."

"E o brilhíquo, sem voz, grita em silêncio: '- Eu sou esse!'."

"No mesmo estato, a imagem dos flocos soládicos reflete-se, do
céu e da líqua, nos dois lados da pele plátia do brilhíquo
e transforma-se em soládicas escamas!"

"Agora o céu e a líqua eram sua nova pele,
e o brilhíquo voava dentro de si mesmo."

"O pequeno brilhíquo já não é pequeno! Em meio ao salto recebe
a Géa do céu e da líqua, obtém um Ky e cresce por dentro e por
fora. É o primeiro da espécie, nasceu bem aqui e tornou-se o mais
poderoso predador dos rios. Desde esse cromat é chamado
pelos pescadores de 'Soládico, o Rei do Rio'!...".