A visita da coruja

Clicando nas fotos, batidas por meu filho Rá na manhã que se seguiu à madrugada trevosa onde o fato ocorreu, você as verá em maior tamanho e resolução - CCDB

A foto ao lado mostra a entrada do banheiro, a porta de vidro aberta e o colchão onde Giza e eu dormimos, rente ao piso.

Eram três horas e quatorze minutos da madrugada... a “hora pi”, quando os pirados dormem e insuspeitas visitas aos sãos despertam.

Giza (Dalgiza) e eu espertamos sob insistente ruído, como se um gato estranho, afoito de aqui penetrar, se atirasse contra a tábua que tapa a pequena abertura na porta da cozinha, por onde os felinos de casa entram e saem à vontade, hoje fechada para proteger Kimê, gatinho novo a morar conosco, mitigando-nos a dor da partida de Nenhum Menhéurro e consolando sua mãe Ótima pela perda desse filho, ao qual dediquei Geínha.

 

Mais lépida que eu, Giza saltou do colchão - e isso é saltar do chão, porquanto cama já não temos, nem mesmo aquele sofá vermelho citado no Livro Primeiro de Géa.

- Não! Não é lá embaixo, não. É aqui no banheiro de cima. - diz Giza; e entreabre a porta de vidro, em meio à escuridão mal quebrada pelas luzes da rua e o luar que só recorta um crescente nas nuvens túrgidas desta época de chuvas desnaturadas, a afogarem a loura Santa Catarina, aluírem a confiança nos falsos distribuidores das doações e inundarem a Minas Gerais onde nasceu Dalgiza.

A foto ao lado mostra o "buraco" no topo da escada "Santos Dumont"

Papai Noel não seria, com todo aquele corpanzil, a passar pelo "buraco" no teto do banheiro, que dá para a laje e se abre direto ao céu.

Nem bem a porta o permite; mais rápida que a treva, Minhé (apelido de Ótima) invade o banheiro, pronta a saltar sobre o intruso.

Segundo me contou Giza mais tarde, o recém-chegado abre asas de enciumarem Hórus, um leque de cauda pra matar de vergonha a águia do Terceiro Reich, garras e bico de arrepiarem os cabelos brancos da águia estadunidense, olhos de espantar a mais possante e pesada ave de rapina do planeta (a brasileiríssima águia Harpia Harpyja - chamada em inglês de Harpy eagle - falconiforme que não nos está na bandeira porquanto ainda não lhe alcançou as estrelas), e se põe a estalejar, enfrentando a gata longeva, a qual já se atirara a cães com várias vezes o seu peso e os expulsara com os rabos entre as pernas, em defesa a seus filhotes, no tempo quando os podia ter - e foram mais de sessenta gatinhos!

Deusa a impedir a colisão titânica de unhas e dentes contra garras e bico, Giza intervém, chama Minhé; e esta obedece, volvendo ao salão e se conservando de atalaia.

- É um gavião! - fala espantada Giza, a devassar a caligem pela porta de vidro do banheiro inda soaberta, e prossegue: - Deve estar batendo o bico amarelo no chão; parece isso esse barulho!

- Feche e porta, ele tem garras poderosas e bico feroz. - digo eu.

A foto ao lado mostra a janela de vidro temperado, o basculante e o chuveiro

Giza o faz e afasta-se para me dar espaço até a estranheza do gavião transvoado, a cair da noite no transviado banheiro... compartimento inacabado, inda sem a imaginada banheira, com chuveiro só de água fria e aquele furo no teto, por onde de dia chove sol.

Levanto-me no salão às escuras, apanho a lanterna de sobre um gaveteiro e tento clarear através da porta o interior do quarto de banho. O vidro cinzento é fumê temperado e, em lugar de exibir o lado de dentro, teima em refletir o de fora; nesse reflexo lobrigo apenas as cobertas desarrumadas sobre o colchão.

Arrisco-me a fazer o que acabara de contra-indicar a Giza... e entreabro a porta, por onde intrometo a lanterna e enfim contemplo o "gavião".

- Não é gavião, Giza! É uma coruja! Uma das grandes!

- É mesmo! E não está batendo; está estalando o bico!

Por quinze anos Giza, nosso filho Rá (Rafael) e eu moráramos numa kitchenette situada no último andar, o décimo quinto de desmesurado edifício no bairro de Laranjeiras, cidade do Rio de Janeiro, onde atendíamos os Clientes e ficava o Laboratório CCDB.

Ali eu sonhava praticar uma abertura na espessa laje do teto, para estar mais perto do céu e contemplar, de dia, a paisagem; de noite, o firmamento constelado - mas a furiosa síndica protelava a autorização: Alecto, Tisífone e Megera numa só rotunda mulher...

Por meio de trabalho intenso, enfim a Erínia se foi e o sonho se realizou: hoje temos a devaneada abertura com acesso à laje, o "buraco" no teto do banheiro do andar superior de nossa casa em Rio das Ostras - o mesmo banheiro onde se achava a coruja. Dessa laje, descoberta, a paisagem mirífica e o céu ilimitado superam os da Cidade Maravilhosa.

A deusa Atena já não volve os olhos cérulos à Grécia hodierna, país conturbado pelos movimentos populares em protesto contra a morte do jovem de quinze anos e a ação violenta da polícia. Já não voa Atena ao Japão, que deixou sob a guarda dos Cavaleiros do Zodíaco.

Hoje, Atena desceu no Brasil!

Maior e mais antiga que Madonna, mais forte e aguerrida que Stallone, mais lépida e dadivosa que Papai Noel, não escorrega nos palcos, não filma lutas nem engabela as crianças: Atena prefere revelar-se a um escritor para lhe augurar a publicação de seus livros e espargir a sabedoria, que não é dele, o veículo, mas dela, a fonte.

Tal como soem fazer os deuses, Atena não se mostrava com sua aparência feminil. Decerto me estava a testar - qual Hera a Jasão, ao surgir-lhe na forma de velha mulher, incapaz de vadear certo rio: o herói carregou sem saber a esposa de Zeus, atravessou as águas e a pousou com gentileza na margem oposta; não, sem perder uma sandália, com isso cumprir profecia e iniciar a aventura argonáutica que culminou na conquista do Velo de Ouro.

Atena viera experimentar-me, transformada naquela coruja que os estudiosos da mitologia conhecem como um dos símbolos minervais.

Fosse no Pártenon, coa ampla abertura no teto e as passagens folgadas entre as colunas, a coruja de Atena lograria alar-se para o exterior, rumo ao Olimpo. No banheiro aqui de casa, porém, se eu esperasse o dia nascer, o rapinante poderia machucar-se, tentando voar para fora pela janela de vidro temperado, que os pássaros costumam não enxergar e contra a qual por infelicidade vezes colidem - ventana indevassável, pois é formada de uma só grande lâmina de vidro e tem apenas estreito basculante no alto, também de vidro temperado.

A foto ao lado mostra o piso do banheiro, onde a deusa nos deixou uma "prova" de sua visita

A coruja poderia buscar os ares pela abertura no teto, mas esta é estreita e se acha no topo da escada que Giza e Rá manufaturaram em gonçalo-alves, no estilo Santos Dumont, idêntica à que por dentro de casa sobe do andar térreo ao salão do andar superior.

Impaciente por uma solução e concluir-me o teste, Atena-coruja continuava a estalar o bico - toc! toc! toc! - e já silvava o tom alto, áspero e duradouro, pra naja nenhuma botar defeito: hrrrréééééééérrrrrrrrrrrsssssssssssssss! num crescendo de dúbio augúrio...

Como cabia ar naqueles pulmões! Que som prolongado! E as pessoas só falam no pio da coruja - ah, se a ouvissem a sibilar assim!

Giza e eu volvemos ao leito para cogitarmos no que fazer; o escuro não nos sussurrava respostas, todavia me facilitou visualizar a solução do problema, para proteger Atena-coruja e evitar que esse bubônida se ferisse, libertando-o antes de Aurora levantar o manto da Noite e o carro de Apolo cruzar o céu, varando com os raios de Hélios as nuvens e atraindo o vôo perigoso do estrigídeo contra o vidro da janela ou pelo incerto buraco no teto, lá no alto da escada.

Eis que me brilha a luz da inspiração, e hodierna Musa mussita:

- No andar térreo, junto ao tanque de aço, há um objeto de matéria desconhecida para os deuses da Grécia: o plástico! O plástico é invisível para os deuses e pode detê-los! Você encandeia Atena-coruja coa luz elétrica da lanterna, apanha esse objeto, cobre com ele a deusa... e então...

Então a Musa se foi e me deixou na mente a imagem do objeto: era o balde! Aquele balde de plástico bege que Giza usa para levar as roupas ao varal!

Contei a Giza o plano e ela se dispôs a me ajudar.

Vesti a roupa mais pesada e resistente - o casaco de náilon de Rá e blue jeans - falsa pele de leão da Neméia, incapaz de interceptar um ataque do bico e das garras de estrigiforme nenhum, quanto mais o ímpeto da deusa-coruja... Desci, peguei o balde, subi; sustentei o recipiente invisível na destra e, na sinistra, suspendi alto a lanterna elétrica, já acesa!

Colada a minhas costas, Giza abriu-me à frente e, permanecendo no salão, rápido me fechou detrás a porta de vidro, dando-me entrementes passagem ao interior do banheiro - um banheiro igualzinho àquele de Clestis, onde se acha o espelho de Umalfa, como está narrado no livro )que(.

Eu, ali! Eu, encerrado no mesmo recinto em que só se via a imagem de Atena-coruja, belíssimo pássaro rajado de leve castanho, ave bem clara e grande, quase branca - ali acesa, em foco no canto escuro! pupilas contratas, olhões arregalados e fixos... na luz da lanterna ou em mim?

Eu, ali!! Eu, a sós com Atena!!!

Respeitoso, mas coa decisão do seu protegido Héracles, caminhei os três passos que me separavam da deusa; e ela, imóvel, mais rápida ao pé da luz se o quisesse, esperou-me completar o movimento com o receptáculo de material invisível e cobri-la feito nem mesmo Hefestos conseguiu, ao tentar violentá-la; qual Fídias não pôde, tendo de abrir-lhe aos quinze metros de altura o teto do Pártenon, sobre a estátua que esculpiu em mármore, marfim e ouro - a Atena Pártenos de opalinos olhos!

Ei-la, a Sabedoria capturada! Ei-lo, o olímpico dom descido pelo buraco no teto de meu estreito crânio para a minha obscura consciência e o luminoso papel virtual de meus livros, prestes a ser libertado, abrir asas macias, subir e sobreolhar o mundo, iluminar cérebros mais jovens, alcear qual nova Hélade o Brasil!

Com extremo cuidado para não ferir uma só das penas fofas da ave olimpiana; com uma deusa no receptáculo invisível; com outra diva, Dalgiza, a guiar-me; abaixei-me e fui empurrando o balde, mais invisível que a coifa de Hades - Atena-coruja a caminhar lá dentro, pé ante pé, deixando entrever parte das penas da cauda rente ao piso.

Passei pela porta de saída do banheiro, reaberta por Giza, ao salão adjacente - o mesmo aposento do andar superior onde trabalho e no qual fica aquele colchão - balde sempre coa boca a arrastar no piso cimentado, sem permitir que a deusa-coruja escapasse.

Giza abriu-me a porta do salão para o exterior da casa; e eis-me outra vez a sós com Atena, a deusa-coruja sob o balde emborcado, a porta fechada detrás de mim, o céu noturno aberto à frente e mesmo abaixo - pois a porta dá para o mais alto patamar da escada de concreto, externa à casa, "no alto de um morro baixo".

Num gesto rápido, levantei o invisível.

Nítida na noite escura, mais clara que as luminárias nos postes da rua e o luar detrás das nuvens, nem um instante esperou: bateu com majestade as asas suaves e voou, e subiu, e mergulhou ao longe no vale, com o silêncio absoluto do predador noturno, Atena! Nem os meus ouvidos treinados beiraram escutá-la!

Giza reabriu a porta, entrei; ao leito voltamos... e, no último escuro da madrugada, formou-se-me no pensamento a sapiência desta narrativa completa, para brindar você com mais um fato verídico e incomum, dos tantos que me acontecem nesta estonteante encarnação, plena das mais significativas "coincidências".

A foto ao lado mostra em close-up a "prova" da visita de Atena-coruja: seu divinal dejeto

Esta página não exibe fotos do veraz sucesso e da coruja, porque não tive coragem de acordar em seu quarto o meu filho, Rá, às três horas da madrugada, para ele captar imagens da deusa naquele já famoso telefone celular barato, já que não temos outra máquina fotográfica. Também porque seria um desrespeito a Atena.

Os deuses me consentiram fotografar a libertação de serpentes e aranhas, mas a foto de uma deusa que não Dalgiza eu não ousaria tentar...

- CCDB 20-12-2008

Em tempo: se alguma coruja visitar você e se meter em aposento donde seja impossível soltá-la para o ar livre; não se tratando de Atena... convém chamar os bombeiros para a capturarem com o devido método e a libertarem em ambiente e hora apropriados.

Sobre a participação de Atena em Geínha: no Livro Doze de Geínha, Atena se põe do lado de Zeus na luta contra Rá, Talia, Tóxia, Posenk, Obor e outros heróis da obra infanto-juvenil. Embora eu tenha narrado a tremenda derrota que tanto Zeus quanto Atena sofreram ao enfrentar esses heróis, a deusa ora me honra a casa com sua generosa aparição e demonstra a grandeza de sua sabedoria, valorizando o autor e a obra que a mostraram em situação desfavorável. Espero ter compensado esse texto com a apresentação desta página, ó magna Atena! - CCDB

Mais uma "coincidência"?

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A imagem logo acima é simples recorte e ampliação, sem retoques, da foto do dejeto da deusa-coruja, girada em noventa graus no sentido horário. Que ave lhe sugere essa ilustração?!?

Clicar nessa imagem não leva a mais ampliação; sim, à página mais visitada deste site, que trata de "coincidências" similares.

Nas duas fotos logo acima, batidas por RDB, vemos Kimê, o gatinho citado no início desta página. Clique em cada foto, para vê-la em máxima resolução e qualidade total.

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